O Ió em 2010.
O Ió faleceu nesse sábado, dia 11. Meus pais chegaram em casa no fim da tarde e perceberam que ele não foi encontrá-los, como de costume. Encontraram o corpo do Ió deitado sob a sombra da sibipiruna que fica do lado de casa. Eu não recebi a ligação da minha mãe na hora porque desliguei o celular numa sessão de cinema. Quando vi a mensagem, caí no choro.
Todos os cachorros (e gatos, e galinhas, e coelhos) que já passaram pela casa dos meus pais são únicos. Nenhum deles tem a mesma personalidade. Eles criam em mim memórias específicas, afetos diferentes. Do Ió eu provavelmente vou lembrar do carinho infinito que ele sempre teve.
Não por mim em especial, o Ió tinha um carinho gigantesco pela minha mãe. Onde ela ia, ele ia. Minha mãe passa o dia andando pela casa e pelo pátio ao redor dela, e você podia apostar que, se o Ió já não estivesse do lado dela, é porque ele estava indo encontrar ela. Com o passar dos anos, e com a piora do seu problema cardíaco, ele foi ficando mais devagar. Mas, tiro e queda. Se minha mãe estava na garagem, o Ió estava fazendo a volta pela casa pra encontrá-la (ele não conseguia mais subir a escada nesse último ano).
Embora tivesse dezesseis anos, o Ió sempre foi um filhote pra mim. Ele sempre foi muito doce, muito sensível. O Ió sempre teve olhos tristes, mas ele nunca desviava o olhar. Ele ficava nervoso fácil, mas ele também tinha uma felicidade imensa. Ele ganhou esse nome porque o rabo dele era tão pequeno que não dava pra ver — então o Ió não balançava o rabo quando estava feliz, ele rebolava.
O que me deixa triste na partida do Ió foi a circustância. Ele não teve um ano fácil, é verdade, mas ele parecia estar melhor. Meus pais tiveram semanas que não conseguiam dormir direito, porque o Ió ou tinha um ataque de tosse ou chorava. Eu decidi ir visitá-los pra fazer um revezamento no turno da noite com eles. Eu levava o Ió para o meu quarto e ele dormia comigo e com o Tobias, e quando ele acordava assustado e chorava, eu acalmava ele até ele dormir de novo. Umas boas noites de sono pareciam ter resolvido os problemas deles. No mês seguinte a tosse diminuiu e ele tava comendo melhor. Meus pais finalmente deixaram os cachorros em casa no sábado para visitar meus tios, e então voltaram e encontraram o corpinho do Ió deitado na sombra que ele gostava de deitar quando a mãe tomava chimarrão na rua.
Eu quero pensar que o Ió não morreu sozinho. Eu imagino que a Zinha, a companheira dele nesses últimos anos, esteve com ele até o fim. É algo que ela faria. Ele provavelmente não chorou, ou sentiu dor, porque os vizinhos não ouviram. Eu acho que uma amiga da mãe decifrou o momento como ninguém: ele esperou minha mãe sair, para ela não ver; para ela não se preocupar, não sair correndo com ele para o veterinário — que ele sempre odiou ir.
Eu não sei o que aconteceu naquela tarde, não sei o que acometeu naquele corpinho rechonchudo e orelhudo. Eu espero que realmente não tenha doído, eu espero que ele não tenha se sentido sozinho. Mas eu não tenho como garantir. Eu quero pensar que ele se despediu da mãe pela manhã, e foi descansar sob a sombra da árvore que ele acompanhava ela no fim do dia. Até na hora de partir, ele foi carinhoso.
O Ió e a Zinha em 2020.